quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Unfollow - Introdução

"Esse sou eu" tuita Florêncio. Sem o ponto final, frase em aberto. Motivado ou não pelos recentes acontecimentos de sua vida extra-conjugal, almeja uma confissão adequada à traição. Assume-a enquanto verdade incostestável, sua realidade aumentada pela internet: 140 caracteres de definição. No melhor exercício narcísico desvairado de autodefinição desnecessária diante dos seguidores. Eles fazem o mesmo. Talita sabe das intenções do senhor Flor, a amante. Diz que acredita nas intenções de seu marido virtual, devem ser legítimas. Quem afinal ficaria com a herança do abastado? Sua fiel seguidora, talvez.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A natureza da lagarta

Caminhava pela mansão com dois pedaços de giz de cera. Um branco e outro verde. As paredes da sala de estar do primeiro andar estavam devidamente pintadas. Um céu verde pontuado por contornos esféricos brancos, nuvens. Talita tinha dez anos e tinha ciúmes do tamanho de sua mansão. Talita não poderia ser tão grande assim. E por isso pintava, ocupando os espaços com desenhos, um confronto diário entre sua imaginação e o espaço branco que a mansão representava. Poucos móveis de madeira compensada, armários, camas e mesinhas nos quartos. Já os dois grandes sofás de couro da sala de estar já exibiam suas marcas verdes, delimitando lugares. Três lugares. Sua mãe, seu pai e ela sentada no meio, o elo, imaginava. Com a constante ausência dos pais, cabia a empregada chefe coordenar a limpeza dos desenhos de Talita. A mansão era seu quadro, constantemente apagado, obra sem fim. Quadro branco conservado pelo excesso de ar frio que se movimentava pelas frestas e janelas abertas naquele verão disfarçado de outono. Seu pai era alto demais pra trocar palavras com ela, talvez ela pensasse que ele fosse um desenho em movimento. Os olhares já bastavam para educá-la. Não era opressivo, era a distância em forma de altura que representava a falta de tato entre eles, falta de concretude exposta pelas palavras. Afinal, o pai mal ficava em casa. De fato, a mãe ocupava tal função sem excessos, sem represálias. A mãe de Talita, focada em suas pinturas abstratas, sorria ao ver os desenhos de sua filha pelos cômodos da casa. Enquanto isso, a empregada chefe se irritava, apesar de esboçar um sorriso a cada vez que tinha que lidar com a tarefa de apagar as travessuras pintadas da menina.
No seu quarto, Talita observava os bichos que insistiam em entrar pela janela. Uma pequena floresta separa a mansão do mundo. Ele visitava Talita com notável regularidade. A menina segurava uma lagarta que andava sobre a folha mais próxima de sua janela. Folha da árvore que insistia em entrar em seu quarto. A cada ano, era mais difícil conter seu crescimento. O sol provavelmente morava no quarto de Talita.
Um dia desses a menina escutou uma conversa dos pais. No fim do corredor que dá para seu quarto ela escutou:
- O que foi que a menina achou agora?
- Uma lagarta.
- Outra lagarta?
- É, Talita disse que ela parecia giz. Não é uma graça?
- Verde como giz? Cadê essa lagarta?
O pai ruma em direção ao quarto de Talita. A menina pula sobre a cama e coloca a folha com a lagarta sob as cobertas. Ela volta a pintar seu caderno de colorir.
- Cadê esse bicho?
- É natureza, papai. Voou.
A janela estava fechada. Talita não mentiu. A natureza reside fora dos limites da mansão e vira giz nas mãos da menina. Ela pinta com o espectro da natureza, na crença de que isso seja o alimento de sua imaginação. Não, ela não pensaria isso.
- Vou repetir só mais uma vez: cadê o bicho?
- Eu não sei, papai. Ele sumiu.
O pai encara o chão, dá meia volta, sai do quarto.
- Ensinou a menina a mentir agora, Sônia?
- Tá falando do quê, Jorge?
- A menina ficou falando de natureza e de coisas voando. Fica dando liberdade pra ela desenhar pela casa e ela começa a imaginar coisas.
- Ela só pode fazer isso mesmo, porque você deixa ela presa aqui, tadinha.
- É? Então manda ela lá pra fora, pra natureza dela!
E eu achava que adultos não emburravam. Sônia disfarça um sorriso. Ela vai até o quarto de sua filha. Deitada na cama, a menina brinca com a lagarta.
- Filha, acho que tá na hora de você ir lá pra fora.
- Tá bom, mãe. Tô preparada?
- Tá sim, mas não deixa seu pai ver a lagarta - diz Sônia enquanto pega em uma das mãos de sua filha.
As duas descem a escada central, passam pela porta da frente e param diante da maior árvore da pequena floresta da mansão.
- Vai lá pintar ela, filha.
Agora ela podia desenhar fora de casa, na natureza com a natureza, como talvez ela pensasse. Talita tirou a lagarta de sua folha e começou a riscar a árvore.


Ps: microconto dedicado à Tiffany.
E com essa postagem encerro a seleção aleatória que fiz dos escritos do meu finado blog. A partir daqui, junto com esse ano novo ímpar, escreverei "material atual".