terça-feira, 1 de março de 2011

Unfollow - Parte 1

Da sacada que dá pra a rua, Talita observa o caminhar de Florêncio, duas quadras a frente. Chinelos largos. Na esquina ele olha para os dois lados e atravessa a rua, mas não sem antes dar um tchau para sua observadora. Talita manda um beijo. Ele entra na padaria mais próxima. Talita tuita de seu smartphone: "Peço dois pães e pisco para a atendente. Morena, dourada. Quanto custaria?"
Do terceiro andar de seu prédio, Talita insiste em escrever tentativas de infidelidade. Ela aprecia o fato de ser a coadjuvante de uma relação alheia. Excluindo o papel de protagonista, a amante de Florêncio se satisfaz com o tempo contado que tem com ele. Uma relação que exclui desvios, futuros ou sentimentos ocultos. Há o compromisso de forjar um compromisso, uma novidade com os dias contados. Ela passeia pelo quarto, pega o lençol da cama e o cheira. Desliza suas mãos pelas coxas, respira fundo e solta o corpo em direção a cama. De olhos cerrados e com o rosto voltado para o colchão, conta dez segundos com os dedos. Imagina uma história com outro homem nesse tempo. Quanto custaria arranjá-lo? Um loiro de 30 anos, satisfeito em não estar satisfeito com o que a vida lhe ofereceu. A sorte de nascer numa família abastada, preocupada com a cor dos cabelos dos empregados e com a quantidade de cloro posto na piscina semi-olímpica da mansão. Esse loiro visitaria o Brasil três vezes por ano. Seria suficiente, como três refeições ao dia.
Ela poderia querer mais, exigindo de Flor notas maiores de cor verde. Mas por enquanto a imaginação de Talita pode percorrer apenas o cheiro que a envolve. Ela se levanta, semi-nua, e se dirige a cozinha. Pega um copo d'agua e espera o pão, arquitetando como deverá passar a manteiga. A próxima infidelidade pode esperar.
Florêncio chega no apartamento de Talita. Na porta da cozinha segura o pacote de pães com orgulho:
- O pão nosso de cada dia.