sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Des-servidor público


Com sua mão direita, Porter violenta a mesa de plástico à frente. Ele somente pensara nisso. De fato, apenas pede:
- Uma gin tônica, por favor.
Porter sabe que os servidores públicos são fiéis. Ao menos aqueles que utiliza. O bar e seu barman competente, o táxi necessário, o barbeiro certeiro, o atendente bancário simpático, ávido pela grana que outrora era verdinha, o recepcionista do hotel em que mora, sorridente a ponto de crer que o sorriso é o único movimento facial que é capaz de executar. Porter espera longuíssimos segundos para ser servido. A comparação é inevitável: se ele estivesse esperando o próximo metrô e não entrasse nele, ele morreria, porque afinal de contas, o mundo exige isso dele. Agora eu me pergunto quem diabos de fato exigiria algo desse tipo. Ele corre ao passo da massa que ele insiste em dizer que não faz parte. E nesse momento bate o punho na mesa mentalmente, diferentemente da suposta massa. Ele quer se diferenciar e meio que sofre com isso. Afinal, quem quer ser igual àqueles que gostam de ser mais uma sardinha na latinha de alúminio chamada metrô? E quem seria o óleo comestível no meio disso tudo senão as linhas do metrô e sua velocidade reduzida? É inevitável às vezes, porque ele acredita ter consciência de sua condição.
Acompanhado de sua esposa, Porter bebe sua gin tônica. Ambos assistem Linha Direta na televisão, localizada à pouquíssimos metros de suas cabeças, num canto qualquer do bar. Marie beberica sua caipirinha. Os anos 90 nunca foram melhores. Apesar disso, o problema, acredita Porter, é a temperatura de seu copo. Marie pisca freneticamente, acompanhando na TV o caso da jovem que desaparecera em Manaus em novembro de 1993 depois de sair com as amigas prum baile noturno.
Marie lembra de suas noites agitadas em Salvador. Carnaval fora de época. Tequila. Abraços de amigas. Suor. Blackout. Cama. Clichê.
Porter entorta sua cadeira. Tenta dançar, com o traseiro, jogando os pés do móvel, alternando entre os pés dianteiros e pés traseiros, pra frente e pra trás. Tédio.
Sob a mesa do casal, suas mãos estão entrelaçadas, unidas fortemente pelo desejo mútuo de estaremos juntos ali, absortos nesse momento ordinário e tolo. Tudo está certo, porém algo está errado, talvez ele pense. Ele não gosta dos servidores públicos, do serviço demorado, da imposição que jogam sobre seu relógio, cobrando pelo seu tempo, pela sua vida, pelo seu transporte, seu lazer, seu trabalho. Ele é ingrato, exige qualidade superior a tal "categoria". Culpa o mindinho fantasma do Lula, gosta das tetas carcumidas do FHC e acha massa o corte de cabelo do Fernando Gabeira. Ele culpa a temperatura do copo e faz tempestade em copo de gin.
Destinado àqueles que não compreendem, Porter exige uma resolução simples pros seus problemas. Esse é o seu grito de independência. Porter grita para aqueles que concordam consigo. E os seus algozes ignoram os reclames. Ou apenas não escutam, por ignorância ou desejo.
Eu não acredito que Porter ainda insiste em acreditar que um dia aqueles que fazem as coisas erradas aos seus olhos possam mudar ou simplesmente consertem o que fizeram erroneamente. Mesmo que seja a troca de uma lâmpada, colocada de mal jeito. Colocada de tal forma que ela se solta do bocal e cai, ao sabor da gravidade, e se espatifa no chão silenciosamente, sem drama, sem grito. Como se fosse um ensaio, calculado. Porter exige justiça. Os serviços públicos lhe proporcionam o meio. E Porter é apenas fruto do meio, um poeta naturalista. De fato, sem consciência e insatisfeito.