quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Hoje eu vou sair

Talvez eu procure algo realmente sem sentido, que na verdade só crio para estar atrás de algo. De tanto procurar, às vezes acabo encontrando, fruto da incerteza. E isso me atinge da pior maneira, como soco no estômago ou simplesmente dor certeira. Traçado o roteiro, após doses cavalares do encontro, bato a porta que me separa do ambiente feito de quatro paredes e do céu. Peço perdão pelo mau funcionamento de meu corpo a esmo e encontro uma cachaça na porta de casa. Segundos antes de segurar a garrafa brilhante, alguém a pega rapidamente:

- Achou que eu tinha esquecido do nosso dia?

Helena antecipou a noite que iríamos ter. Ela sabia que minha teimosia a faria gastar algumas horas pra me convencer. E eu não a queria agora, a garrafa já bastava. Teimei e acreditava na minha posição. Socaria a cara de Helena quantas vezes fossem necessárias para conseguir tomar aquela cachaça. A deriva, talvez encontrasse algo que fugiria do encontro que tive dentro de casa. Insaciável é Helena, idealizadora de futuros falsos, preocupada em fazer sempre o bem, principalmente para mim. E o que há de se fazer? Do outro lado da mesma moeda, insisto em procurar buracos.

- Hoje não dá. Quero sair por aí, talvez te encontrar!

- Querido, eu estou aqui...

- Sempre querendo me entender, hein Helena.

- Tá tudo bem?

- Sempre está, Helena, sempre está.

Se não encontro, tento cavá-los. Ela nunca entendeu, apesar de fingir querer fazê-lo.

- Até amanhã!

- Mas a gente nem começou. Vamos, me dê uma chance, a noite vai ser boa aqui...

- Com certeza vai ser...tchau!

- Querido! Volta aqui!

É inevitável que ela não entenda e por isso eu fujo. Pego a cachaça e saio correndo até o próximo quarteirão, pois a partir desse ponto Helena não tem mais poder. A procura é por algo metafísico, e é evidente minha preocupação em comê-lo cru, em estado puro, na escuridão que só a solidão pode proporcionar. E a diferença entre procura mental e procura física reside apenas no movimento que cada uma faz em seu eixo, egoísmo intelectual e apreço pelas aparências. Enquanto meu cérebro insiste em dar voltas, meus pés caminham para alguma direção que não tem fim.

Meu passo diminui com o passar dos quarteirões, as luzes seguindo um padrão de posicionamento certeiro e o peso de meus pensamentos afunda-me na calçada. Qual é o valor com que encaro os efeitos causados pela minha âncora mental?
Meus olhos gostam de correr o risco. Meus músculos não. Minha visão fotografa um casal seminu perto da entrada de uma entrada sem saída, próxima de uma boate perto de casa. Acredito que o sexo foi a única coisa que sobrou para fazerem, já que para eles trocar algumas frases, ou até poucas palavras seria inconveniente para ambos. Ele supõe que ela cansou de ouvir, e ela não agüenta mais não escutar nada dele, e por isso ela aceita o sexo como único maneira de fazê-lo falar, nem que seja por gemidos inconscientes. Tudo é negociável quando não se negocia.

Logo um bar surge, perto da boate, que naquele momento não ficava mais perto de casa. E eu culpo a garrafa. Carlos, acompanhado de mais uns amigos, me chama para uns drinques perto da porta de entrada do bar. Educadamente, com a gravata toda amarrotada e a camisa suada, exige que eu sente com seus amigos. Penso longos segundos. Faça um longo discurso para quem quiser ouvir e decido sentar e ficar. Já estava cansado demais pra continuar divagando.

E acredito que Helena ainda esteja me esperando na porta de casa. É sempre bom ter um porto seguro, onde minha âncora não sofra retaliações. Afinal, Helena só quer me entender.

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